É assim praticamente desde que a quarentena provocada pela pandemia COVID-19 começou, em março, tal como acontece noutras zonas da cidade do Porto, por exemplo, no Largo Curso Silva Monteiro, na freguesia de Lordelo do Ouro, onde se criou o movimento “às dez no largo”.
Ao contrário do que acontece em Ramalde, em Lordelo do Ouro a ‘playlist’ é elaborada exclusivamente com temas portugueses, o que motivou já comentários e manifestações de apoio de alguns músicos nacionais. Foi criada uma conta na rede social Instagram, com fotografias e vídeos dos momentos vividos a cada noite, que já tem milhares de seguidores.
Mas em Ramalde o espírito é o mesmo, ou seja, contornar as medidas de afastamento social, sem quebrar as regras da quarentena, cantando músicas variadas nas suas janelas e varandas.
A hora tem sido escrupulosamente cumprida, mas na noite de domingo a voz da fadista Mariza ouviu-se com sete minutos de atraso. Nesses “longos” sete minutos, os vizinhos não pararam de assobiar, gritar e bater palmas, como que a recear que o autor deste convívio habitual entre vizinhos tivesse desistido.
Ninguém se calou e às 22:07 ouviu-se o fado Rosa Branca, interpretado por Mariza, através de uma coluna colocada numa qualquer janela de um dos prédios que circundam aquela zona. A regra é passar apenas uma música.
Em declarações à Lusa, Cristina Matos, moradora na zona e em teletrabalho desde 16 de março, diz que, apesar de não conseguir identificar ao certo de onde vem a música, reconhece que é “um momento de união/cumplicidade entre vizinhos, mesmo que muitos deles nem se vejam e nem se consigam identificar”.
Esta moradora disse que sempre entendeu o momento musical como “uma coisa entre vizinhos”, nunca achou que fosse de homenagem aos profissionais de saúde.
“Senti que era um grupo de vizinhos a dizer ‘estamos aqui’, parece-me que cada vez há mais gente todas as noites, tanto pelas luzes dos telemóveis como pelo ruído de palmas e gritos. Acho que pode ser positivo, sim”, sustentou.
Contudo, Cristina Matos acrescentou que gostaria que “essa união/cumplicidade se traduzisse noutras coisas, como sorrir ou ceder a passagem num supermercado ou como sorrir ou ceder a passagem no elevador do prédio. Agora e quando isto passar, se calhar é mais importante do que uma música tocada às 22:00 todas as noites”.
“No início, quando sentia que tudo isto ainda me parecia ‘não estar a acontecer’, cheguei a ir para a janela, ligar a lanterna, embalar-me ao som da música que estava a tocar e emocionar-me com o gesto, ou seja, sentir a tal cumplicidade, mas depois passou. Talvez seja por estar um pouco longe”, disse.
Ainda a propósito, Cristina Matos contou que no fim de semana respondeu a um estudo ‘online’ sobre cidades/pandemia.
“Uma das perguntas era se conheço melhor os meus vizinhos desde o início da pandemia, a minha resposta, sem hesitar, foi ‘não’. Quase nem encontro vizinhos, quando vou à rua, ao supermercado. Cruzava-me com muitos vizinhos antes, no elevador, quando tudo estava ‘normal’”, disse.
Uma outra moradora na zona, Ana Carvalho, disse à Lusa que acha a iniciativa “divertida”.
“Gosto muito, acho divertido e acho que é uma forma de união entre vizinhos. Já que estamos a viver este momento, um pouco deprimente, sempre traz alguma alegria, mesmo que por poucos minutos”, acrescentou.
A morar na mesma zona, uma outra vizinha disse achar “interessante” esta ligação entre os vizinhos, mas admite que não tem “ligado muito” e que às vezes nem ouve a música.
Como acontece em tantos outros países, devido à pandemia covid-19, em Portugal a grande maioria das pessoas está em casa, o contacto social é totalmente desaconselhado, as saídas só devem acontecer em casos excecionais.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já provocou mais de 114 mil mortos e infetou mais de 1,8 milhões de pessoas em 193 países e territórios.
Em Portugal, segundo o balanço feito hoje pela Direção-Geral da Saúde, registam-se 535 mortos, mais 31 do que no domingo (+6,2%), e 16.934 casos de infeção confirmados, o que representa um aumento de 349 (+2,1%).
O país, onde os primeiros casos confirmados foram registados no dia 02 de março, encontra-se em estado de emergência desde de 19 de março e até ao final do dia 17 de abril.
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