![Gérard Depardieu detido em França por alegadas agressões sexuais](/assets/img/blank.png)
O ator francês Gérard Depardieu foi detido esta segunda-feira na polícia judiciária de Paris, onde foi intimado a comparecer para um interrogatório sobre alegadas agressões sexuais a duas mulheres, informou à AFP uma fonte próxima do caso.
O intérprete está sob a custódia policial para responder em interrogatório às queixas das mulheres, que o acusam de agressões sexuais e comentários obscenos durante a rodagem de uma longa-metragem em 2021 e de uma curta-metragem em 2014.
No início de março, a Justiça francesa iniciara uma nova investigação após uma cenógrafa denunciá-lo por uma alegada agressão sexual em 2021.
A queixa apresentada por Amélie, de 53 anos, no final de fevereiro de 2024, também reportava assédio sexual e ofensas sexistas durante as filmagens de "Les Volets Verts" de Jean Becker, em Paris, descrevendo como o ator a "agarrou brutalmente" e "esfregou a sua cintura, a barriga, até os seios".
A segunda mulher, uma ex-assistente de realização, denunciou atos semelhantes ocorridos em 2014. Segundo o canal BFMTV, a alegada agressão aconteceu durante a rodagem da curta-metragem "Le Magicien et les Siamois", de Jean-Pierre Mocky.,
A denunciante, que tinha 24 anos na altura, apresentou queixa a 9 de janeiro, acusando Depardieu de utilizar "palavras indecentes" na sua mansão em Paris.
Numa entrevista ao jornal regional Le Courrier de l'Ouest em fevereiro, a mulher, que deseja permanecer no anonimato, também citou as mãos do ator "por todo o corpo" durante a rodagem.
Já a lista de créditos de "Les Volets Verts" inclui Amélie Kyndt como cenógrafa, com a responsabilidade de preparar o 'set' com os adereços e móveis corretos para a rodagem das cenas.
A denunciante relatou ao 'site' de investigação Mediapart que o ator fez comentários indecentes e depois a "agarrou brutalmente", tocando a sua "cintura, o seu abdómen e seios". Os guarda-costas do ator teriam interrompido a agressão.
O meio digital noticiou que outra mulher - Sarah, 33 anos e terceira assistente de realização -também acusa Depardieu de tocar-lhe "os seios e as nádegas" duas vezes em agosto de 2021, em Paris.
Jean Becker "sabia perfeitamente que duas mulheres tinham sido gravemente agredidas", afirmou à France-Presse a atriz Anouk Grinberg, que participou no filme, no qual havia uma profissional encarregada de evitar casos de assédio.
"Nunca me foi apresentada", disse.
Caso Gérard Depardieu provocou fraturas na França
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Símbolo de violência sexual e machismo para alguns, orgulho nacional francês para outros, o ator Gérard Depardieu, de 75 anos, perdeu a sua aura de ícone intocável.
Apesar de ser acusado de violação em 2020, Depardieu ainda mantinha a sua posição como monstro sagrado do cinema francês e, exceto nos círculos feministas, havia uma certa indulgência em relação ao ator. O seu temperamento forte, muitas vezes exagerado, conquistou a simpatia do público e da profissão.
As suas declarações sobre violações, nas quais teria participado na sua juventude, custaram a sua carreira nos EUA no início dos anos 1990, mas tiveram pouco impacto na França.
Em 2015, uma atriz tão popular quanto Sophie Marceau rotulou-o de "predador" pelo seu comportamento nas rodagens, mas esses comentários passaram totalmente despercebidos.
A indústria cinematográfica fez vista grossa, preferindo elogiar este intérprete, com mais de 200 filmes para o cinema e a televisão e uma presença que deu vida a grandes heróis da literatura francesa, como Cyrano, ou Jean Valjean (em "Os Miseráveis"), sem esquecer Obélix e figuras históricas como Danton.
Mas acusações e anedotas de bastidores nas rodagens ou em produções teatrais proliferaram nos últimos meses, nas quais pareceu desenhar-se um comportamento abusivo, não dirigido às atrizes com as quais partilhava o protagonismo, mas sim às mulheres em segundo plano, mais vulneráveis.
As acusações mais graves remontam a 2020, a de uma alegada agressão sexual à atriz Charlotte Arnould, que em agosto de 2018 o denunciou por duas violações na casa do ator em Paris, mas outras atrizes, trabalhadoras da indústria do cinema, do teatro e inclusive jornalistas (entre elas a espanhola Ruth Baza, que o entrevistou em 1995) deram novos e graves testemunhos.
No final de dezembro de 2023, a Justiça arquivou, por prescrição, a queixa da atriz Hélène Darras, que o acusava de agredi-la sexualmente durante uma rodagem em 2007.
Nesse mês, a jornalista e escritora espanhola Ruth Baza anunciou que apresentou queixa contra o intérprete na Espanha por violação, factos alegadamente ocorridos em Paris em 1995.
As repetidas acusações tornaram-se uma frente de guerra cultural na França, dividindo o mundo do cinema e confrontando grupos feministas e defensores do ator.
A intervenção, em dezembro do ano passado, do presidente francês, Emmanuel Macron, que numa entrevista tomou partido da estrela, aprofundou essa divisão, denunciando uma "caça humana" e contradizendo a sua ministra da Cultura, que questionou a manutenção da Legião de Honra do intérprete.
"Ele fez a França ser conhecida, os nossos grandes autores, as nossas grandes personagens em todo o mundo (...) Enche a França de orgulho", declarou Macron.
Cartas públicas de apoio e crítica
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No final de 2023, as extravagâncias do intérprete, que chegou a urinar num avião em 2011, já não causaram mais graça. E Depardieu, que se tornou um dos artistas que mais dividem opiniões na França, decidiu fazer uma pausa na carreira.
Tudo se acelerou em menos de um mês, após a divulgação de uma reportagem do canal público de televisão France 2, na qual aparece a fazer declarações obscenas sobre mulheres, e até mesmo sobre uma menina, durante uma visita à Coreia do Norte, em 2018.
As consequências foram imediatas. Depardieu foi despojado da Ordem Nacional de Québec (Canadá), perdeu o seu título de cidadão honorário de uma cidade belga, o Museu Grévin de Paris retirou a sua estátua de cera... algumas figuras proeminentes do cinema criticaram-no publicamente, como a atriz Anouk Grinberg.
Nesse contexto polémico, mobilizou-se um grupo pró-Depardieu. A sua família, especialmente a sua filha e atriz Julie Depardieu, denunciou uma "trama" contra o seu pai, e a sua ex-parceira Carole Bouquet defendeu o "humor, às vezes no limite", de um homem que seria "incapaz de fazer mal a uma mulher".
Uma carta pública de apoio ao ator a 26 de dezembro de 2023 abriu a caixa de Pandora: cerca de 60 personalidades do mundo do cinema, da arte e da literatura expressaram a sua admiração pelo intérprete de "Cyrano de Bergerac", que consideram "provavelmente o maior de todos os atores, o último pilar sagrado do cinema" e se insurgiam perante o "linchamento que sofre" e o risco de ser "cancelado".
A resposta a essa missiva, publicada no jornal Le Figaro, foi fulminante: mais de 600 personalidades afirmaram que Depardieu "não representa a França". A essa carta pública, seguiu-se outra, com o título "Adeus ao velho mundo".
"Não, não estamos orgulhosos de Gérard Depardieu", declarou o ex-presidente e antecessor de Macron, François Hollande.
A ministra da Cultura, Rima Abdul Malak, anunciou um trâmite disciplinar que poderia resultar na retirada da Legião de Honra dada a Depardieu, que reagiu, colocando a condecoração "à disposição" da ministra.
Macron afirmou, por sua vez, que Malak se "precipitou" neste assunto e que a justiça devia seguir o seu curso.
Tanto do lado dos defensores de Depardieu quanto dos seus críticos, são muitos os nomes de prestígio: a atriz Catherine Deneuve tomou partido do colega, com quem partilhou o ecrã em várias produções, assim como Nathalie Baye e Fanny Ardant.
Entre os críticos, jovens cantoras como Angèle, Pomme, e atrizes veteranas como Anne Roumanoff.
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Gérard Depardieu é um "predador", repetiu Sophie Marceau em entrevista à Paris Match, acrescentando que “as grandes atrizes” suas contemporâneas não o condenavam porque “não as atacou”.
“Ele não atacava as grandes atrizes, ia mais para as assistentes abaixo. [...] Vulgaridade e provocação sempre foram a sua arte”, notou a atriz antes de repetir a história que contou no verão ao diário Le Monde de como o ator a tentou humilhar durante a rodagem de "Polícia" (1985), quando tinha 19 anos, levando-a a decidir nunca mais trabalhar com ele.
Descrevendo a “hipocrisia” da indústria francesa perante um comportamento que já achara "insuportável" na altura, recordou: “Todos riam com ele, todos o amavam por isso, todos o aplaudiam por ser quem era. E toda a gente achou que era normal”.
Mas “muitas pessoas viraram-se contra mim, a tentar fazer parecer que estava a ser um estorvo".
Alguns dos signatários da carta aberta a favor de Depardieu retiraram o seu apoio diante da enorme pressão pública.
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