Harvey Weinstein foi condenado a 23 anos de prisão pelos crimes de violação e agressão sexual de que fora considerado culpado o mês passado em Nova Iorque.
Alegando que podia ser a primeira condenação, mas não o primeiro crime, esta manhã no tribunal de Manhattan (15h00 em Lisboa), o juiz James Burke atribuiu 20 anos pela agressão sexual em primeiro grau por praticar sexo oral na ex-assistente de produção Mimi Haleyi e três pela violação em terceiro grau da ex-atriz Jessica Mann em março de 2013.
Ambas choraram na fila da frente da sala após a sentença ser conhecida.
O máximo a que podia ser condenado era 29 anos.
O antigo produtor será ainda registado como "criminoso sexual".
Em conferência de imprensa, Donna Rotunno, que lidera a equipa de defesa, considerou a sentença "obscena", "ridícula" e um "número cobarde para atribuir".
Já para o procurador Cyrus Vance Jr, dá "esperança aos sobreviventes de violência sexual" e é um aviso para todos os "predadores sexuais e parceiros abusadores".
Para o antigo produtor, com 67 anos, a pena equivale a prisão perpétua: a equipa de defesa tinha apelado ao mínimo, cinco anos, alegando que a sua expectativa de vida era de 12 anos.
Antes de ouvir a sentença e em cadeira de rodas, dirigiu-se às duas vítimas: "Podemos ter verdades diferentes, mas sinto grandes remorsos por ambas".
A 24 de fevereiro, após quase um mês de julgamento e cinco dias de deliberações, o júri considerou Harvey Weinstein culpado de dois crimes. A equipa de defesa anunciou o recurso para uma instância superior.
Foi considerado inocente do crime de violação em primeiro grau de Jessica Mann, assim como de duas acusações de ser um predador sexual, os delitos mais graves no processo e que poderiam levá-lo à prisão perpétua.
Ao fazê-lo, os sete homens e cinco mulheres do júri indicaram que não conseguiram decidir "além de qualquer dúvida razoável" que Weinstein também tinha violado em 1993 a atriz Annabella Sciorra, um caso que já prescreveu mas cujo testemunho os procuradores usaram para tentar estabelecer um comportamento predatório.
O veredito foi um momento histórico para o #MeToo, nome dado ao movimento que luta contra o assédio sexual e a agressão sexual, na indústria do cinema e do audiovisual, nos Estados Unidos.
O produtor de "Pulp Fiction" e "A Paixão de Shakespeare" foi o primeiro homem acusado de agressão sexual no âmbito do #MeToo a ser julgado criminalmente após a vaga de denúncias a partir de outubro de 2017, já que a do ator Bill Cosby, em abril de 2018, resultou de processos iniciados em 2015.
O antigo produtor ainda enfrentará um novo julgamento em Los Angeles, ainda sem data definida.
O Ministério Público acusa-o de ter agredido sexualmente a ex-modelo Lauren Young na casa de banho de um quarto de um hotel em Beverly Hills, em 2013, quando a aspirante a atriz tinha 22 anos.
Ele também é acusado de ter violado uma modelo italiana na noite anterior ao incidente com Young.
Um caso histórico para o movimento #MeToo
Harvey Weinstein foi denunciado por mais de 80 mulheres desde que o escândalo eclodiu em outubro de 2017, a génese do movimento #MeToo.
No entanto, apenas foi condenado pelos dois casos envolvendo Mimi Haleyi e Jessica Mann porque a maioria dos outros crimes prescreveu.
No julgamento em Nova Iorque descreveu-se como o antigo produtor aproveitou o seu imenso poder na indústria cinematográfica para agredir sexualmente aspirantes a atrizes e funcionárias do setor durante anos.
Este, pelo contrário, sempre negou ter cometido agressões sexuais e diz que sempre manteve relações consensuais com quem o acusou.
Um "monstro"
As atrizes Ashley Judd, Gwyneth Paltrow, Kate Beckinsale, Uma Thurman e Salma Hayek acusaram-no de assédio ou agressão sexual. Asia Argento, Rose McGowan e Paz de la Huerta, de violação. Mira Sorvino e Ashley Judd garantem que ele acabou com as suas carreiras porque elas não cederam ao seu assédio.
Muitas contaram que o irascível e impaciente Weinstein marcava encontro consigo em quartos de hotel, onde as recebia apenas tapado por uma toalha de banho e propunha que dessem ou recebessem massagens ou que o vissem masturbar-se.
"Durante anos, ele foi o meu monstro", escreveu a atriz mexicana Salma Hayek, ao relatar o que viveu durante as filmagens de "Frida", em 2002. Diante das suas reiteradas rejeições, Weinstein reagia com "ira maquiavélica" e ameaçava matá-la.
Das cinzas do império que construiu, nasceram movimentos como o #MeToo e o Time's Up, que incentivaram dezenas de milhares de mulheres no mundo inteiro a denunciar nas redes sociais homens poderosos que praticaram abusos ou assédio e começaram uma mudança de atitude: tolerância zero para com este tipo de conduta.
A descida aos infernos
Uma grande investigação sobre a sua má conduta sexual, publicada no jornal The New York Times a 5 de outubro de 2017, somada a outra reportagem na revista The New Yorker, originaram um escândalo que acabou com a sua carreira, o seu casamento e a sua reputação.
Foi expulso da Academia de Cinema dos Estados Unidos e da sua própria empresa, a The Weinstein Company (TWC).
Em novembro de 2017, um mês depois de o escândalo vir à tona, internou-se num centro de reabilitação para tratar a dependência de sexo.
A sua segunda esposa, a designer de moda britânica Georgina Chapman, com quem teve dois dos seus cinco filhos, divorciou-se dele.
O rei dos Óscares
Nascido em Queens a 19 de março de 1952, filho de um lapidador de diamantes, Weinstein estudou na Universidade de Buffalo e inicialmente produziu concertos de rock com o seu irmão, Bob.
Ambos cofundaram o seu primeiro estúdio de cinema, a Miramax, em 1979. Os seus sucessos incluíram "Sexo, mentiras e vídeo", de Steven Soderbergh (1989) e "A Paixão de Shakespeare" (1998), vencedor de sete estatuetas e com o qual Weinstein ganhou um Óscar de melhor filme.
A Miramax também produziu o primeiro grande sucesso de Quentin Tarantino à escala global, "Pulp Fiction" (1994) e "O Paciente Inglês" (1997, nove Óscares).
A Miramax foi vendida à Disney em 1993 e os irmãos deixaram a empresa em 2005 para fundar a The Weinstein Company.
Ao longo dos anos, os filmes de Weinstein receberam mais de 300 nomeações aos Óscares e arrecadaram 81 estatuetas.
O produtor chegou a ter uma fortuna pessoal entre 240 milhões e 300 milhões de dólares, que diminuiu rapidamente após cair em desgraça.
Os promotores asseguram que vendeu seis propriedades por um montante total de 60 milhões de dólares nos últimos dois anos para pagar custos legais e financiar as suas duas ex-mulheres.
A Weinstein Company declarou falência no ano passado e foi comprada pelo fundo de investimentos Lantern.
Em dezembro, Weinstein chegou a um acordo de 25 milhões de dólares com mais de 30 atrizes e ex-funcionárias que o processaram. A conta será paga pela sua antiga empresa e empresas de seguros.
Hoje, Weinstein inspira Hollywood, mas como o vilão.
Além de uma longa-metragem de suspense baseada no escândalo, intitulada "The Assistant", cuja estreia no fim de outurbo passou despercebida, está no forno outro filme com produção de Brad Pitt, que enfrentou Weinstein em 1995 e ameaçou matá-lo se não parasse de assediar sexualmente a sua namorada na época, Gwyneth Paltrow.
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