De volta aos discos em outubro, mês da edição do seu segundo álbum, os Keep Razors Sharp regressaram primeiro aos palcos, depois da edição do registo homónimo em 2014. No Super Bock Super Rock 2018, que se despediu do Parque das Nações, em Lisboa, este sábado, auscultámos o pulso à saúde e tendências da música e foi este o resultado:
SAPO Mag: Keep Razors. Lâminas ou máquina de barbear?
Afonso Rodrigues: Acho que é um 50/50. Eu e o Raí, lâminas. Este puto [a apontar para o Bibi] nunca passou uma lâmina na cara na vida.
Vocês já tinham estado no Super Bock, em 2015.
Afonso: Estivemos no Meco, sim.
Preferiam esse ou este ambiente aqui no Parque das Nações?
Afonso: Acho que são coisas completamente diferentes, e acho que são duas propostas muito interessantes. Eu gosto de festivais fora da cidade. Percebo a conveniência de um festival de cidade, e este é um festival que, apesar de ser na cidade, é muito interessante porque tem o rio e dá outra vibe ao festival. Mas eu gostava muito do Meco. Sei que havia a complexidade do pó, etc e etc. No ano que tocámos chegámos a levar uma autocaravana... Aquilo era fixe.
Vocês chegaram mesmo a dizer que foi dos vossos concertos favoritos. O que teve de especial esse concerto?
Raí: Acho que foi o concerto que demos num festival grande. E correu muito bem, em termos de banda, de entrega. Foi um bom concerto.
Bibi: Foi sentirmos que estávamos a fazer qualquer coisa bem. Ok, temos aqui qualquer coisa. E foi o primeiro festival grande que tocámos e foi ali que sentimos desde da comunhão do público, a comunhão entre nós. Foi uma reunião de várias circunstâncias e coisas que fez sentido que para nós fosse um dos nossos concertos favoritos.
O que é este voltar, embora a outra casa? Agora quase a lançar novo álbum.
Afonso: Voltámos outra vez à questão de haver uma aposta por parte da organização, que já vamos mostrar algumas canções novas no set de hoje. Mas é bom estar de volta, somos sempre bem recebidos.
Qual é a maior diferença para este novo álbum que vai sair. Se é que já podem contar alguma coisa sobre ele.
Rai: Há uma diferença que não foi propositada, nem se procurou. Há um sentido estético. É um álbum que está mais escuro, mas mais rock ao mesmo tempo. É a conclusão que chegámos depois de ouvir o disco todo. Está um disco pesado, com letras pesadas, mas depois tem uma vertente pop que não foi procurada. Ele próprio desenhou-se. Evidentemente fomos nós que o gravámos mas o próprio disco, tal e qual como o primeiro acabou por aparecer sem grande esforço, sem procurarmos uma estética, sem falarmos qual é que era o caminho, que não há planos.
Como é que conseguem encontrar tempo, com tantos projetos paralelos, para poderem ensaiar?
Afonso: Com esforço. Nós nos ensaios somos mais ou menos disciplinados, ou seja, nas alturas em que estamos a compor há pelo menos um dia ou dois por semana que reservamos na agenda e como é em dias da semana e à noite, é tempo que teríamos se calhar para passar a ver televisão em casa com as nossas famílias, mas decidimos passar uns com os outros, enfiados numa sala de ensaio.
Como é que vêem este fenómeno do hip-hop que ultrapassou o rock? E como é que se sentem ao ser uma das poucas bandas de rock este ano no Super Bock Super Rock?
Afonso: Tudo é cíclico. Há pouco estávamos a falar à hora do almoço que o pessoal começou a jogar videojogos com Spectrum e jogos em cassetes e hoje em dia estamos com malta de 20 anos que não consegue os olhos do Instagram durante pouco mais do que 20 segundos. Se tu ligas o Spotify e aquilo não dispara imediatamente uma música, já estás sem paciência. As coisas vão mudando, não é? Agora o hip-hop. daqui a 10 anos há de ser uma outra coisa qualquer. Acho que a nossa banda não é uma banda da moda. É uma banda em que tu fazes aquilo que queres, quando queres, nos termos em que queres. Os nossos slots em festivais desta dimensão também não são de headliners. Não influencia muito. Tens o teu público e estás a tocar para um nicho. Não estamos à espera com este disco de fazer o Atlântico ou lá como agora o pavilhão se chama. A mim, pessoalmente, não é uma coisa que me preocupe. Acho que é mais preocupante para quem está numa grande dimensão e não consegue fechar os slots de headliners dos grandes festivais, porque estão a ser ocupados por outros artistas. Para artistas de nicho, como nós, acho que não é um problema. O nosso espaço vai continuar a estar aí. Seja com Travis Scott, Kanye West, ou Lil Pump, ou lá o que for.
E o que é que andam a ouvir?
Afonso: Sei lá. Andamos a ouvir... Olha, curiosamente andei a perder tempo a ouvir o último disco do Drake. Perdi, se é que se pode dizer [risos].
Raí: Eu não gostei muito.
Afonso: Além disso, não sei, mas esta semana foi isso. Foi Drake.
Bibi: Por acaso ouvi outra vez Fleet Foxes.
Afonso: Ai é? Mas o último disco?
Bibi: Não, o primeiro disco! O que gosto mais. Mas por incrível que pareça, também ouço muito hip-hop. Mas é engraçado, nós somos todos da mesma geração e já na nossa geração ouvimos muito hip-hop.
Afonso: Claro.
Rai: Os Public Enemy eram uma coisa muito importante na minha infância. Era um miúdo passava uma cassete com Public Enemy e RUN DMC de outro lado. E falando um pouco da outra pergunta, não me choca.
Tens muitos artistas de hip-hop que trazem a personalidade rock ao de cima.
Raí: Tens o Danny Brown, por exemplo, que é um gajo assim. Nem é muito mainstream, que é para mim dos gajos mais interessantes. Para mim, pessoalmente, um dos gajos que lido mais.
Afonso: A questão é que antes não era massificado. A partir do mundo que tens no Billboard 100, 90 artistas de hip-hop e R&B, é um efeito tipo onda. Se lá é onde as tendências começam, depois há de chegar aqui mais tarde ou mais cedo.
Bibi: Acho que tem mais haver com as novas temáticas do hip-hop. Aí que é muito diferente da temática do hip-hop que estava habituado a ouvir.
Afonso: Ah, isso sem dúvida. A questão é, de repente, na nossa altura, tinhas uma data de pessoas dividida por uma data de nichos. Uns ouviam metal, outros punk, ouvem grunge... E agora não. A massificação virou-se para o hip-hop.
Raí: E há uma coisa que é um facto e se olhares para a história, isso acontece. O género musical líder engole-se a si mesmo. Tiveste a explosão do rock em 2000. A última explosão foi do rock. E de repente aparecem tantas bandas a copiarem as bandas que fizeram aquilo que fez explodir a cena, que de repente aquilo engole-se a si mesmo. E eu acho que no hip-hop, e pessoalmente já estou a sentir isso, há muita coisa que se está a tornar repetitiva. Há muita margem e é um género que eu adoro! Danny Brown eu adoro, adoro os discos dele. A$AP Rocky também. Mas o que acho é que a franja que está a aparecer depois que essa malta surgiu, ainda antes desses miúdos, essa franja já não é assim tão interessante.
Afonso: Mas também é uma coisa: Quanto mais falas das coisas, mais elas se tornam reais. Desculpa lá, o hip-hop não apareceu há semana passada! Há cinco anos eu vi o Kendrick ser headliner do Primavera no Porto.
Na altura não tínhamos o "DAMN".
Afonso: E percebes? Eu adorei o concerto, adorava o "Good Kid, M.A.A.D. City", e tipo estava lá para ver. E aquilo estava cheio. Há quanto tempo é que o Jay-Z foi headliner no Glastonbury? Há uns 10 anos se calhar. Que deu uma polémica do caraças porque entrou com uma guitarra a tiracolo começou a fingir que tocava Oasis. Foi há 10 anos, ou há oito. Só que de repente, quando toda a gente começa a repetir a mesma ideia parece que as coisas se tornam reais. As coisas estão há bué tempo para quem está atento. É estranho é ver o cartaz do Coachella este ano e a única banda de guitarras que tens são os The War on Drugs que é a única banda que está nos quatro maiores nomes de festival que tem uma guitarra. Mas é o que é. Já houve bandas com 10 sintetizadores e baterias com 50 pratos e hoje ninguém toca assim. São o que são.
Raí: Um gajo que faça house bem feito como se fazia nos finais de 80... Acho que o ciclo é esse. Se começares a ter clubes cheios de pessoal a ouvir house é uma coisa que não me espanta. É uma coisa que aconteceu nos 80 e inícios de 90. É cíclico. E depois acaba por desaparecer com tanto ruído de coisas minimamente originais. O pessoal fica perdido e vai à procura de outra coisa. Hip-hop, guitarras, eletrónica. Cíclico.
Afonso: Quando falavas no rock nos anos 2000, com os The Strokes e não sei quê. Quem é que ouvia guitarras em 1998? Ninguém, estava tudo saturado.
Entrevista: Carlos Sousa Vieira
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