"Quem 'foi e atravessou' o rio, junto à serra do Pilar" viu um concerto de cortar a respiração.
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Oito da noite: as pessoas começam a chegar com mais intensidade à Serra do Pilar. Ninguém quer perder a oportunidade de ver Mariza - o concerto é grátis, mas as entradas limitadas.

Num abrir e fechar de olhos, o recinto da Serra do Pilar enche totalmente. Mais ninguém pode entrar, não há mais espaço.

Enquanto não começa o concerto tiram-se selfies, outros aproveitam para jantar qualquer coisa. Mas há quem prefira ir em busca de alguns brindes que estão a oferecer- mesmo ao estilo de festival.

A noite está agradável. Faltam poucos minutos para Mariza subir ao palco e o público já está agitado. Mal se desligam as luzes do palco, a primeira ovação. E em silêncio vê-se a fadista que, depois dos primeiros passos em palco, solta a voz sem qualquer suporte instrumental- totalmente à capela. É preciso ter coragem.

"Boa noite Serra do Pilar! Tinha tantas saudades do norte", começa por confessa Mariza antes de arrancar para o tema de Jorge Fernando, "A Chuva".

E mal se ouvem as primeiras palavras de "A Chuva", vê-se uma grande parte do público a meter a mão no bolso para logo depois  estender o braço no ar com o telemóvel e registar o momento para todo o sempre- ou até a memória do telemóvel o permitir.

"Ah fadista! És linda", grita alguém do meio do público. E a fadista, claro, sorri. A música lá segue. E a conversa com o público também. "Ontem fui comer qualquer coisa. É, de vez em quando também como. E encontrei o Rui Veloso e disse-lhe, "Oh Rui, amanhã vou cantar à Serra do Pilar". E ele mandou logo um beijinho para vocês. E agora percebo porquê", conta Mariza, trauteando logo de seguida versos de Porto Sentido.

Sempre a brincar, Mariza fala do seu filho e da mudança na sua vida: "Uma mudança de 180 graus". Percebe-se o que aí vem: é a nova música "O tempo não pára". E não há uma frase da letra que o público não saiba. A Serra do Pilar canta arrepiada a uma só voz. Há sorrisos e lágrimas de nostalgia no público. A meio da música, Mariza solta um "obrigada" cheio de sentimento.

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Para acalmar emoções, um fado instrumental. Mas logo depois Mariza sobe ao palco com um novo vestido para cantar "Fecho os olhos para te ver" e "Fado Primavera".

As estrelas no céu são poucas. As gaivotas estão em maior número- desde o início do concerto que não arredaram asa.

Em jeito de despedida, Mariza confessa que para terminar escolheu um fado que ouvia na taberna dos pais em Lisboa, um fado de Jorge Maurício. "É um fado que me acompanhou durante muitos anos. Mas, agora já não digo 'boa noite solidão' porque vos tenho a vocês. A solidão faz parte desta caminhada, é verdade. Esta noite não levo solidão, levo um coração cheio. Muito obrigada Serra do Pilar! Boa noite!".

Mesmo a terminar o fado "Boa noite solidão", Mariza larga o microfone e vem à frente do palco cantar sem truques. Só com a sua voz e faz-nos perceber o porquê de ser uma das artistas portuguesas mais admiradas no mundo.

Sem dar tempo para a habitual saída de palco, os mais de 20 mil que enchiam a Serra do Pilar gritaram e pediram mais. E Mariza deu mais, muito mais. A começar, "I Can't Fall In Love". E os covers continuaram com "Fascinação" de Elis Regina e com "Come as you are" dos Nirvana a fazer saltar pequenos e graúdos. Parecia que estávamos num festival.

Ainda aos saltos, Mariza sai do palco. O público grita em jeito de revolta: "Ainda falta a gente da minha terra!". Mas falta por pouco tempo.

Surpreendendo tudo e todos, Mariza desce do palco até junto do público. Um momento único em que a fadista fica olhos nos olhos com os fãs a cantar um dos fados mais emblemáticos de sempre.

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Podia acabar ali. Mas não. Mariza diz que quer trocar de papéis e que o público cante para ela a música que é banda sonora da Serra do Pilar, "Porto Sentido" de Rui Veloso. E o público canta em harmonia.

A terminar, Rosa Branca. Numa versão mais ritmada, Mariza e os seus músicos deixam Gaia ao rubro e com saudade. Em cada olhar via-se a alegria por terem estado naquele concerto estonteante que nos transportou para fora de todos os problemas do mundo. Foram mais de duas horas de homenagem ao património imaterial da humanidade. Amália Rodrigues estará orgulhosa, certamente.$$gallery$$

fotos@Tiago Presley