O primeiro livro do professor e historiador de arte brasileiro Victor Vidal, que escreve há muitos anos, mas nunca tinha tido coragem de revelar o seu trabalho, é um romance que lança uma reflexão sobre como aquilo que se vive na infância determina a vida adulta e como as pessoas tendem a reproduzir comportamentos que presenciam, mesmo quando friamente os condenam.
“Não há Pássaros Aqui” narra a história de uma mulher que recebe uma chamada telefónica sobre a mãe, com quem não tem boas relações há muito, a dar conta do seu desaparecimento na sequência de uma série de escândalos no bairro, entre os quais o suposto sequestro de uma criança.
Apesar de ter jurado que não voltaria à casa da mulher que lhe infligiu todo o tipo de violência, a protagonista, de nome Ana, não consegue ficar indiferente e regressa à casa da infância para perceber o que se passou.
Esta é a premissa da história, que nasceu de uma viagem que o autor fez a Amesterdão, onde visitou e conheceu a casa em que Anne Frank se escondeu com a família durante a Segunda Guerra Mundial, contou o autor à Lusa, por ocasião da atribuição do prémio, em novembro do ano passado.
“Conhecer aquela casa e ver onde as pessoas se esconderam teve um forte impacto em mim e comecei a pensar na necessidade de esconder, nos traumas de infância e em esconderijos”, revelou.
Quando chega ao apartamento da mãe, o que Ana encontra é bastante intrigante: lixo por toda a parte, pegadas de lama, móveis destruídos, garrafas vazias amontoadas no caixote, descreve a sinopse do livro.
Enquanto se interroga sobre o que terá sido a vida da mãe (Andrea) desde o dramático acontecimento que marcou as duas para sempre, Ana empreende uma dolorosa viagem às memórias da infância, que incluem uma mãe desequilibrada e alcoólica que tem um relacionamento conturbado com um homem perigoso.
As memórias da protagonista levam-na também a um rapaz frágil que na infância a fez cúmplice dos seus traumas e, por via das afinidades, se tornou o seu único amigo, a quem ela agora, muitos anos depois, acaba por pedir ajuda.
Victor Vidal venceu por unanimidade o Prémio Leya, no valor de 50 mil euros, no dia 14 de novembro, uma notícia que o apanhou de surpresa, a ler um livro, de manhã, a seguir ao pequeno-almoço.
Além da surpresa, sentiu-se emocionado porque foi a primeira vez que ganhou coragem para mostrar o seu trabalho.
Na altura, contou que o fator desbloqueador desse receio foi o facto de pela primeira vez ter sentido “que o texto tinha algo de importante” para si e para quem o lesse.
“Não há Pássaros Aqui” destacou-se entre 907 obras candidatas de 14 países, naquela que foi a edição mais concorrida de sempre, sendo Portugal, Brasil, Angola e Moçambique os países de onde vieram mais originais.
Na opinião do júri do prémio, este romance destacou-se pela “coerência da escrita correntia, tão adequada à inserção de uma história invulgar, de grande violência e de segredos escondidos na aparente banalidade do quotidiano”.
Igualmente valorizado foi "o acerto da análise psicológica, tanto no resgate da memória da infância, quanto perante os acontecimentos mais brutais das relações familiares (em particular entre filha e mãe)".
O júri sublinhou ainda que a escrita tem sempre presente "a materialidade do corpo e as diferentes formas de o dizer e de o ferir", ao mesmo tempo que os mistérios se vão desvendando "com a mesma força com que no fim a pintura reveladora, mas dilacerante, tem de ser destruída".
Editado pela Leya, o romance vai estar disponível nas livrarias a partir do dia 25 de junho.
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