Julian Fellows, o autor de «Downton Abbey», não perdeu tempo após o término do seu fenómeno global e voltou a adaptar um dos seus autores favoritos ao ecrã, Anthony Trollope (1815 – 1882), partindo desta vez do terceiro romance da série literária “Chronicles of Barsetshire”. O escritor Anthony Trollope já lhe tinha aberto as portas de Hollywood quando Julian Fellowes adaptou The Eustace Diamonds, um argumento que, porém, não chegou nunca ao grande ecrã - ainda hoje está por produzir. Mas a adaptação de Fellowes chamou a atenção de Robert Altman, que o convidou para a escrita do argumento original do extraordinário «Gosford Park» (2002).
«Doctor Thorne» segue a fórmula de outras séries de sucesso deste autor e da própria tradição britânica com uma teia de luta de classes, intriga, mesquinhez humana, romances proibidos, casamentos por dinheiro e, no centro da narrativa, uma carinhosa relação “paternal”. A série centra-se na estreita relação de um tio solteiro, o doctor Thorne (Tom Hollander), com a sua sobrinha bastarda, Mary Thorne (Stefanie Martini), que ele criou como se fosse a filha que nunca teve. A jovem é vista com maus olhos pela aristocrata família Gresham. No passado os senhores do condado projetavam opulência mas agora estão endividados até aos cabelos, necessitando desesperadamente que os filhos se casem rapidamente com pretendentes com bolsas recheadas de “dinheiro”. A graciosa e perspicaz sobrinha de Thorne é uma mal-amada pelo clã Gresham devido à relação com Frank Gresham (Harry Richardson), o filho varão que morre de amores por Mary, apesar do seu tio ser o solicitador e garante da sobrevivência financeira dos Gresham. Sir Roger Scatcherd é a carta fora do baralho, é ele que traz imprevisibilidade para a história, interpretado pelo grande Ian McShane no papel um ex-pedreiro que cumpriu uma pena de prisão por matar Henry Thorne, o pai de Mary, que teve uma relação extraconjugal com a irmã de Roger. Após ter cumprido uma pena de prisão de dez anos e carregando um profundo arrependimento do sucedido, Roger imigrou para os Estados Unidos e tornou-se milionário através do negócio dos caminhos de ferro. Quando regressa, após uma grande empreitada, dispõe de uma abastada fortuna e o título de barão: Sir Roger Scatcherd. Ele comprou as terras no condado, incluindo as propriedades dos Gresham que se tornaram praticamente os seus inquilinos. Sir Roger Scatcherd desconhece que Mary é a sua sobrinha e foi criada por Thorne, que é o seu médico e conselheiro financeiro.
Os atores da série têm um alto pedigree, combinando valores reconhecidos com uma mão cheia de novos talentos, a começar pelo papel principal, interpretado por Tom Hollander, que na altura da estreia da série estava à mesma hora, aos domingos à noite, nos principais canais de Inglaterra – na ITV com «Doctor Thorne» e na BBC com «The Night Manager» –, é um ator extremamente refinado e à medida do papel. A revelação da série reside contudo na candura e beleza Stefanie Martini, neste que é o seu segundo papel televisivo, a sua primeira série completa. Dona de um rosto simpático, parece saída de um filme Disney num papel próximo da Cinderela. Ainda, destaque para a veterana Rebecca Front (vencedora de um Bafta em 2010 pela comédia de Armando Iannucci «The Thick of It») no desempenho da antagonista Lady Arabella Gresham, a mãe de Frank Gresham, o cérebro por detrás dos casamentos arranjados da família na tentativa de salvar a posição social do clã Gresham. Também surge na série a talentosa atriz americana Alison Brie («Mad Men») no papel de Miss Dunstable, desempenho expressivo e competente como uma ianque com uma herança invejável.
A minissérie é filmada na plena opulência dos palácios britânicos com uma riqueza extraordinária dentro e fora destas abastadas casas, dos salões aos jardins, tudo é digno de uma história de encantar. O resultado é um drama romântico de luxo como só os ingleses conseguem congeminar, com ingenuidade, grandes intérpretes e cenários esplendorosos. Os apreciadores de «Downton Abbey» vão ficar rendidos perante «Doctor Thorne».
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