A informação foi confirmada na sexta-feira à agência Lusa por fonte oficial da PSP do Porto, que adiantou que a queixa deu entrada na esquadra de São Mamede de Infesta (Matosinhos) no dia 4 de junho, e que Mariana Jones está com estatuto de vítima, tendo o caso sido remetido para o Ministério Público.
Em declarações à Lusa, Mariana Jones contou que, desde outubro, é alvo de “ameaças e intimidação a nível digital” por parte de Djalme dos Santos, membro da associação de extrema-direita “Habeas Corpus”, autodenominada associação de defesa dos direitos humanos, presidida pelo ex-juiz Rui Fonseca e Castro.
Em causa está um livro infantil que escreveu, que tem como título “O Pedro gosta do Afonso”, e que Djalme dos Santos descreve, em vídeos tornados públicos nas suas redes sociais, como “manual de instruções” ou “bíblia homossexual infantil”.
“No início encarei as ameaças de forma leve, não querendo dar importância. Depois passei para a fase de me habituar, mesmo vendo que além das ameaças fazia vídeos com a minha cara, mas fui levando com ligeireza”, disse.
O caso tomou proporções mais assustadoras para a autora quando, no dia 1 de junho, Dia da Criança, Mariana Jones estava na Feira do Livro de Lisboa a apresentar um outro livro sobre Rui Nabeiro, intitulado “O avô Rui. O senhor do café”, editado pela Dom Quixote, e foi diretamente interpelada por Djalme dos Santos, a filmá-la a “um palmo” da sua cara e a gritar o seu nome, apelidando-a de “promotora da homossexualidade infantil e pedofilia”.
Segundo Mariana Jones, a editora interpôs-se entre os dois, outros autores presentes naquele espaço prestaram uma “proteção muito solidária” e a segurança do recinto acabou por acompanhar à saída Djalme dos Santos, que se afastou sempre a gritar o mesmo tipo de afirmações.
“Nessa noite não consegui adormecer, mas não estava ainda bem consciente do que estava a acontecer, no domingo comecei a cair em mim e na segunda-feira decidi fazer queixa, já muito consciente da gravidade disto, mas também com muito medo”.
Segundo a autora, desde sábado que recebe “dezenas de mensagens de ódio”, incluindo a publicitação do seu número de telefone e a fotografia de uma das suas filhas ainda bebé com frases como “esta também é lésbica?”, em publicações nas redes sociais.
Foi na Feira do Livro de Lisboa que Mariana Jones percebeu que o assunto se tornara pessoal: “Já não era com o livro, era comigo”.
“Tive muitas dúvidas no processo de queixa e muito medo pelas minhas filhas, mas decidi avançar”, revelou.
Na passada segunda-feira contactou a Polícia Judiciária, que a remeteu para o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Matosinhos, que a terá informado que se tratava de um caso em que o crime principal era ‘stalking’, perseguição, e que teria de se dirigir à PSP para apresentar queixa, contou.
Mariana Jones imprimiu então tudo o que tinha guardado de ameaças e intimidações recebidas e dirigiu-se à esquadra da PSP de São Mamede de Infesta onde fez a queixa.
Em diferentes páginas das redes sociais, encontram-se publicações que classificam a autora como “animal”, “técnica de recrutamento homossexual infantil” ou “escritora medíocre que encontrou uma forma de ganhar dinheiro com conteúdos de natureza homossexual para crianças”.
Mariana Jones destaca que nem o seu livro é dirigido ao público pré-escolar, como diz que afirmam os seus delatores, nem se trata de história nenhuma de homossexualidade, uma dedução que é feita por “quem só vê o título e nunca sequer leu a história”.
Toda esta situação mudou a sua vida e rotina, transformando as suas emoções numa verdadeira “montanha russa”: “Passo noites sem dormir, já vomitei, estou constantemente a reforçar as regras de segurança na escola das minhas filhas e relativamente a quem as pode ir buscar, e a eventos públicos não vou sozinha”.
A escritora ressalta que o que mais a amedronta é “a parte invisível”, porque não é só Djalme dos Santos que está por detrás destas ameaças, “ele é quem aparece mais, mas há muitas outras pessoas”.
“No Telegram do Habeas Corpus são mais de nove mil pessoas. Eu recebo dezenas de mensagens a atacar-me, mas a darem-me apoio são pouquíssimas. Apesar de eu saber que são muitas mais as pessoas que pensam como eu do que como eles, não recebo nem um quarto de mensagens de apoio”, lamentou, saudando contudo com veemência a “posição da Dom Quixote”, onde têm “sido incansáveis no apoio” que lhe dão, apesar de este livro nem sequer ser editado por eles.
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