
Notícia contém linguagem sexual explícita.
A justiça francesa começou segunda-feira a julgar o ator Gérard Depardieu, alvo de dezenas de acusações de comportamentos sexistas e por alegadas violações cometidas em 2021 contra duas trabalhadoras no cenário do filme “Les volets verts”, de Jean Becker, em 2021.
Depardieu, que nega as acusações, compareceu no tribunal em Paris e sentou-se sozinho no banco dos réus, num primeiro dia marcado por aquilo que os advogados das vítimas descreveram como “manobras dilatórias” da sua defesa.
“Tenta a todo o custo, a todo o momento, atrasar, retardar o processo judicial”, lamentou à imprensa, no final da sessão de hoje, a advogada Carine Durrieu-Diebolt, que representa uma das queixosas.
Depardieu, que pode ser condenado até cinco anos de prisão e uma multa de 75 mil euros pelos crimes de agressão sexual, assédio sexual e ultraje sexista, foi durante anos o ator de referência e um dos rostos mais famosos do cinema francês, graças a títulos como “Cyrano de Bergerac”, “1900”, “O Último Metro” e “Danton”.
A sessão teve início por volta das 13h45 locais (12h45 em Lisboa). Na sala de audiências, atrás do ator, sentado de frente para os juízes, estavam a sua filha Roxane, acompanhada pela mãe, Karine Silla, e o ator Vincent Perez, o parceiro de "Cyrano de Bergerac".
Do lado oposto do corredor central, na primeira fila, encontravam-se as duas queixosas, Amélie, uma cenógrafa de 54 anos, e Sarah (nome fictício), uma assistente de realização de 34, que foram apoiadas por "várias dezenas de pessoas" à porta do tribunal, que denunciavam "violência sexista, justiça cúmplice" e defendiam que se acreditasse nas vítimas, "não nos violadores".
O julgamento teve início com a identificação das testemunhas a depor, quatro propostas pelas queixosas (cujos nomes completos são mantidos confidenciais) e uma dúzia pela defesa.
Entre elas, contam-se membros da equipa de filmagem, como pessoal técnico, e também a atriz Fanny Ardant, uma das protagonistas de “Les volets verts”, que já se pronunciou publicamente em defesa de Depardieu e que testemunhará a seu favor na terça-feira à tarde.
O julgamento mediático, inicialmente previsto para terminar na terça, começou a estagnar com a análise de um pedido de anulação do julgamento apresentado pela defesa, que alegou “parcialidade” contra o ator de 76 anos durante a investigação.
O seu advogado de defesa, Jérémy Assous, num longo discurso de quase duas horas, questionou também as testemunhas de defesa, os relatos da imprensa e os próprios relatos das vítimas, além de argumentar que a investigação deixou de fora testemunhos “chave” que alegadamente desmentiam as agressões.
“Nunca vi queixosos que recusam e fazem tudo para que a verdade não venha ao de cima. E é por isso que nunca deixámos de dizer que estas acusações são falsas”, disse Assous aos jornalistas.
A anulação do julgamento não foi bem sucedida, uma vez que os juízes decidiram suspender a sua decisão e continuar a sessão, mas o julgamento deparou-se imediatamente com um novo obstáculo quando a defesa apresentou um dossier de documentos e não entregou cópias à acusação ou ao Ministério Público.
“Manobra dilatória atrás de manobra dilatória para fazer perder tempo ao tribunal”, criticam os advogados das vítimas.
As investidas de Assous pela falta de documentos também levaram a atriz Anouk Grinberg, que tinha vindo hoje apoiar os queixosos, a vaiá-lo da bancada da audiência, o que levou à sua expulsão da sala de audiências.

A audiência de segunda-feira foi prolongada para além do prazo de seis horas para que as partes pudessem fazer as suas primeiras declarações: a defesa pedindo a exoneração do intérprete e os representantes dos queixosos recordando as provas que sustentam os seus testemunhos.
Na queixa apresentada em fevereiro de 2024, Amélie denunciou acontecimentos que remontam a setembro de 2021, que terão ocorrido durante as filmagens de "Le Volets Verts" numa mansão privada no 16.º bairro de Paris.
No seu relato ao 'site' de investigação Mediapart, citado pela agência France-Presse, a cenógrafa disse que Depardieu, entre gritos, se queixou de não conseguir ter uma ereção, por causa do calor, gabou-se de "fazer as mulheres gozarem sem lhes tocar" e, mais tarde, agarrou-a com força, ao mesmo tempo que fazia "comentários obscenos".
A assistente de realização Sarah acusa Gérard Depardieu de lhe ter tocado duas vezes, no "peito e nas nádegas", durante a rodagem do mesmo filme, em agosto de 2021, segundo o Mediapart.
Nos últimos anos, com a nova ascensão do movimento #MeToo em França, vieram a público dezenas de acusações de mulheres que se dizem vítimas de agressões sexuais, incluindo alegações de violação.
Algumas remontam a várias décadas atrás e, de facto, várias das acusações que foram feitas foram arquivadas porque o estatuto de limitações se esgotou.
No caso de Gérard Depardieu, surgiram acusações de agressão sexual e abuso por cerca de vinte mulheres, mas vários processos prescreveram.
Entre as mais graves está a alegação de violação de 2018 contra a atriz Charlotte Arnauld, num caso em que Depardieu é acusado. Em agosto passado, o Ministério Público de Paris requereu o julgamento do ator por violação, mas o juiz de instrução encarregado do caso ainda não decidiu o desfecho.
Arnauld, de 29 anos, esteve presente na audiência para manifestar publicamente o seu apoio às vítimas de “Les volets verts”.
Depardieu foi também denunciado em 2023 pela jornalista e escritora espanhola Ruth Baza, por uma alegada violação cometida em 1995, quando esta se deslocou a Paris para o entrevistar.
O julgamento que se iniciou na segunda-feira esteve agendado para o outono, mas foi adiado por razões médicas. O ator foi declarado apto para ser julgado, mas o juiz presidente explicou que as audiências não deveriam exceder as seis horas, com um lanche para Depardieu após três horas, acesso privado a uma casa de banho e oportunidade de verificar o seu nível de açúcar no sangue.
"Nunca, nunca abusei de uma mulher", garantiu o ator numa carta aberta publicada no jornal Le Figaro em outubro de 2023.
Dois meses depois, o Presidente francês, Emmanuel Macron, causou polémica ao elogiar o "grande ator" que "deixa França orgulhosa", denunciando "uma caça ao homem".
Comentários