O escritor Milan Kundera morreu aos 94 anos, avança a emissora estatal da República Checa, citada pela AFP.
Nascido checo, e francês desde 1981, o autor de "A Insustentável Leveza do Ser" (1984), pintor sarcástico da condição humana, não pertenceu à Academia Francesa, não recebeu o Nobel da Literatura, mas é considerado um dos maiores autores contemporâneos.
No seu último romance, "A Festa da Insignificância" (2014), uma das personagens confessa desconfiar dos números que nos remetem à "vergonha do envelhecimento".
Milan Kundera gostava que falassem sobre o seu trabalho antes de falarem sobre ele. A sua última aparição na televisão remonta a 1984 e a última entrevista a um jornalista foi em 1986.
No final de 2019, Milan Kundera recuperou a nacionalidade checa que havia perdido ao abandonar a Checoslováquia comunista para morar na França nos anos 1970.
Não levar o mundo a sério
Nascido em Brno, na atual República Checa, a 1 de abril de 1929, destinado [como os seus pais] a uma carreira demúsico, Milan Kundera foi um amante da música. Os seus primeiros textos, poemas escritos em checo, foram compostos como sonatas.
Próximo do regime comunista, Kundera afastou-se sem, porém, se tornar um dissidente.
Em 2008, uma revista checa exumou um "documento" da polícia comunista de Praga de 1950, sugerindo que o escritor denunciou um dos seus concidadãos durante o período estalinista. Milan Kundera não respondeu.
"Dificilmente perdoamos um homem grande e ilustre. Mas ainda menos se é silencioso", escreveu num artigo publicado pelo Le Monde a dramaturga Yasmina Reza. Escritores como Gabriel Garcia Marquez e Philip Roth saíram em defesa do autor.
Quando ainda era checo, Milan Kundera publicou dois romances, "A Brincadeira" (1965) e "O Livro dos Amores Risíveis" (1968), textos que fazem um balanço amargo das ilusões políticas da geração do golpe de Praga, que em 1948 permitiu que os comunistas chegassem ao poder.
Kundera, que foi colocado na lista negra no seu país após a Primavera de Praga, exilou-se na França com a mulher em 1975. Naturalizado francês em 1981, escolheu o francês como língua de escrita para marcar a ruptura com o seu país natal, que em 1978 retirou a sua nacionalidade (Praga propôs devolvê-la no ano passado).
Em França, publicou "A Valsa do Adeuse", "O Livro do Riso e do Esquecimento" e, em 1984, aquele que alguns consideram a sua obra-prima, "A Insustentável Leveza do Ser", um romance de amor e uma ode à liberdade, ao mesmo tempo grave e casual, cujo tema é a condição humana.
O livro foi adaptado ao cinema em 1988 pelo norte-americano Philip Kaufman, com Juliette Binoche e Daniel Day-Lewis.
Analista do seu próprio trabalho, assinou em 1986 o ensaio "A Arte do Romance", onde explica que "ao entrar no corpo do romance, a meditação muda a essência. Fora do romance, encontramo-nos no campo das afirmações, todos têm a certeza da sua palavra: um político, um filósofo, um porteiro... No território do romance, não nos afirmamos: é o território do jogo e das hipóteses".
Em "A Festa da Insignificância", o romancista, através da voz de uma das personagens, continua a sua reflexão sobre o padrão do seu trabalho: "Há muito tempo compreendemos que não é possível reverter este mundo, nem para o reformular, nem para deter a sua infeliz corrida para a frente. Há apenas uma resistência possível: não o levar a sério".
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